Não subestime a dor do outro (uma confissão)

Não subestime a dor do outro (uma confissão)

Quando eu estudei Jornalismo – carreira à qual ainda me dedico – aprendi uma lição que transformou minha vida e a relação com as pessoas: não existe verdade absoluta. Toda história é multifacetada e pode ter várias versões. Tudo depende de quem a narra – e todos os envolvidos precisam ser ouvidos.

Eu era muito jovem, pouco flexível nas minhas convicções. Ainda vivia a vida segundo o que aprendi como certo e errado. Não tinha muita experiência de vida, na verdade, estava começando a ter uma vida mais autônoma … E esta máxima do jornalismo me ajudou a crescer e a enxergar mais o outro.

Vinte anos depois, voltei à sala de aula para minha segunda formação: Psicanálise. Oportunidade de aprender a segunda lição de vida que me fez rever algumas convicções: nunca tente mensurar a dor do outro.

Com que régua medimos o sofrimento de alguém? Isto é possível?

Na hora, eu me lembrei de alguns julgamentos que eu fazia. “Nossa, como a pessoa pode ser assim tão difícil se vem de uma família que lhe deu tudo”. Oi? Quem sou eu para saber o que esta família efetivamente deu a esta pessoa, de que forma ou se foi ou não suficiente para ela?

Tinha mais: “O pai o abandonou quando era criança, eu sei. Mas hoje, a vida dele mudou. Tem família, um bom emprego. Por que ainda parece tão revoltado?”. Um absurdo? Concordo, e é por isso que aqui confesso, publicamente, tais julgamentos. Quem sou eu (quem somos nós) para medir o tamanho e o impacto do sofrimento do outro em sua vida? Que poder nós temos de determinar o que causa mais ou menos dor para alguém?

Se causa dor e angústia, seja o que for, merece ser olhado

Depois que entendi como não é justo – e nem possível – mensurar o sofrimento de alguém, me tornei, a princípio, mais generosa comigo mesma. Passei a olhar para as minhas próprias dores sem tanto medo de parecer boba, fútil, mal agradecida, vítima ou ingrata. Se causa dor e angústia, seja o que for, merece ser olhado, elaborado, para que passe a doer cada vez menos. E nisso a Psicanálise me ajuda até hoje. Como psicanalista, tento ajudar outras pessoas também.

Recentemente, estive com uma pessoa muito querida que passou por um tratamento de câncer. Num determinado momento, enquanto me contava o que passou, disse assim: “Posso ser muito sincera? Eu sei que nem é o mais importante porque eu estou curada. Mas sabe o que mais me doeu nisso tudo e é uma bobagem para tanta gente? O momento em que perdi os cabelos! Você acredita?”. Foi bom demais – libertador até – olhar para ela e dizer, com muita convicção e sem qualquer julgamento: “Você nem imagina o quanto acredito”.

4 comentários sobre “Não subestime a dor do outro (uma confissão)

  1. Olá Cris tudo bem? Muito legal esse depoimento. Realmente precisamos ser escutados a fundo. Saber onde estar o ponto onde atinge os sentimentos. Eu fiz um curso nada chega ao seu nível de Terapeuta Holístico e entendi ver alguns sofrimentos de varias pessoas e meu também. Estou sem face e sem celular devido estar desempregado. Mais tudo vai melhorar e já estar melhorando. Bjs e saudades.

  2. Excelente! Textos como este nos fazem pensar sobre o quanto julgamos, sobretudo de maneira inconsciente, sem perceber que o que importa é o como nos vemos e somos, e não como os outros vem e são.

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